Thursday, October 26, 2006

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Narrador 7º – Ana Jardim

Chego ao ponto de encontro por volta das quinze horas e quinze minutos, um quarto de hora adiantada em relação ao combinado com o tipo da editora. Revejo o recorte do jornal “Editor procura novos talentos, contacte David Chaves, nº xxxxxxxxx”. Foi o que fiz, mandei-lhe uns textos tal como me solicitara no nosso primeiro contacto telefónico e aguardei que me voltasse a contactar, tal como este me pedira. Telefonou-me ontem, marcou este encontro no café e livraria Classe, quinze e trinta, e aqui o espero nervosa e ansiosa. Comigo trago o projecto do livro que lhe quero apresentar. “Segredos de um Maçon” é o título da obra, um romance contemporâneo e na mesma medida histórico que viaja entre o descodificar de um passado e o revelar da vida de um Maçon actual e do seu envolvimento perigoso com uma bela mulher prostituta.

O tipo chega às quinze e trinta em ponto, deve ser adepto da famigerada pontualidade inglesa, reconhece-me pelos cabelos louros e pela camisa cor-de-rosa, aproxima-se, cumprimenta-me com gestos nervosos, diz o nome e pergunta-me se sou a Ana Jardim, ao qual assinto com a cabeça e com um ‘sim’ tímido. Este senta-se no pólo oposto da mesa e pede uma água de limão ao empregado despachado que o parece conhecer bem.

- Traz consigo o trabalho de que me falou?

- Sim. Tenho-o aqui comigo – respondo, enquanto tiro o manuscrito da mala e lho entrego nas mãos muito brancas. Parece estar mais calmo, depois de uma entrada algo nervosa. Tem agora um ar mais seguro, mais adulto e na mesma medida mais charmoso.

- Parece-me um projecto interessantíssimo, pelo que já tivemos oportunidade de falar pelo telefone. Posso levar este manuscrito comigo, ou é o original?

- Claro que pode, tenho outra cópia e tenho tudo guardado no computador.

- Porquê a maçonaria? Porque está na moda este tipo de assunto?

- Não! Comecei a escrevê-lo muito antes de este tipo de obras estarem na moda. Tenho um primo mais velho pelo qual me apaixonei há uns anos e quando descobri que era maçon, passei a segui-lo e a registar alguns dos seus passos. Com o tempo desapaixonei-me do homem e apaixonei-me pelo tema. Ele descobriu-me mas nunca me denunciou, deu-me ainda algumas informações cruciais para o meu trabalho. Aproveitei o gosto que tenho pela escrita e juntei as duas coisas num enredo.

- Está concluído?

- Não! Amanhã será um dia importante para a conclusão do livro. Este meu contacto arranjou-me uma forma de eu poder assistir secretamente a um ritual maçónico. Depois, falta-me apenas um final e fazer o arranjo final da obra, uma última revisão, uns últimos encaixes, um ou outro pormenor que ache que deva emendar, etc. E aguardo sugestões, claro!

- A obra é sua e só sua! Não darei palpites, terá de escrever a sua obra sozinha. E veja lá se tem cuidado consigo, que essa gente pode ser perigosa.

- Darei o meu melhor! Quanto ao resto, não se preocupe, não corro qualquer perigo. Gostou dos textos que lhe mandei?

- Demonstra uma enorme criatividade e uma grande segurança na escrita. Achei alguns dos textos fantásticos, para ser muito sincero.

- Óptimo – e vou dizer mais qualquer coisa quando sou interrompida pela voz deste:

- Vou ler o que tem aqui e aguardo ansiosamente pela conclusão deste trabalho para que possamos passar à fase seguinte.

- E qual é a fase seguinte? – Questiono, adivinhando a resposta.

- A fase da publicação. Posteriormente, a da divulgação. E depois, quiçá, o Projecto Bestseller, que terei a oportunidade de explicar mais tarde.

Não será sonhar alto demais? Projecto Bestseller! Este tipo vem-me para aqui prometer mundos e fundos mesmo antes de conhecer aquilo que escrevi naquele manuscrito meio rasurado que lhe pus nas mãos. Também não me importa sonhar um pouco ou não estaria aqui a tentar a minha sorte, mas calma lá! Um bocado dos pés assentes em terra firme não faz mal a ninguém.

Ficamos ali mais meia hora, mais coisa menos coisa, entre conversas sobre o livro e sobre outras coisas mais, interesses comuns e o concerto que vou dar no fim-de-semana, os lograis e recitais de poesia da banda de originais que tenho desde há dois anos para cá.

Quando peço licença para me ir embora, alegando estar atrasada para o ensaio da banda, este promete estar na primeira fila a ver-nos actuar, no dia do concerto.

Quando saio pela porta, tenho a ligeira sensação que este me admira as partes traseiras do corpo mas saio sem olhar para trás, prosseguindo a minha marcha.

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