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Narrador 9º – Toninho
Hoje o pai vem buscar-me casa da mãe. Hoje vou perguntar-lhe se vem à festa dos meus seis anos, na segunda-feira. O ano passado não veio. No outro dia perguntei à mãe porquê que o pai não fica cá em casa como os pais dos outros meninos lá do colégio. Ela diz que o pai passa muito tempo fora por causa dos livros que escreve. Mas hoje vai levar-me a passear ao parque de diversões. Vou perguntar se o Ricardo pode vir connosco. Ele não tem mais amigos, nem pai, nem mãe. Eu sou a única pessoa que ele tem. O pai deve estar atrasado, porque a mãe está a dizer que ele é sempre a mesma coisa. Não sei que horas são mas quero aprender a ver as horas para saber quando são quatro horas à quinta-feira, o dia em que o pai me vem buscar. Pergunto à mãe que horas são e ela diz-me que o pai já não deve vir ou só deve vir cá dar-me um beijo e vai-se logo embora. Volto a perguntar-lhe que horas são que ela não me respondeu à pergunta que lhe fiz. Ela costuma dizer que sou teimoso como o pai. Responde-me que são cinco e meia, para não me preocupar que o pai deve levar-me a passear amanhã. Agora tenho de explicar ao Ricardo que já não vamos hoje, ele vai ficar triste porque quer conhecer o pai e na semana passada ele também não veio buscar-nos por causa das reuniões dele com os senhores dos livros. A mãe disse que ele vinha na sexta-feira e ele não veio. Explico ao Ricardo que o pai só vem amanhã, ele responde-me que pai é mentiroso, que já não confia nele porque ele está sempre a arranjar desculpas. Explico ao Ricardo que o pai é um homem ocupado mas ele diz que o pai não passa de um homem mau que só pensa no dinheiro e no trabalho. Fico triste quando o Ricardo fala assim do pai ou da mãe, mas às vezes tenho de lhe dar razão. Ele disse-me no outro dia que os outros meninos dormem em casa do pai e da mãe e que eles estão sempre presentes, enquanto o meu pai nunca dorme cá em casa e a mãe deixa-me a dormir em casa da tia ao fim-de-semana, sabendo que a tia me bate quando lhe aviso que o tio faz coisas porcas à prima Alice. Mas eu bem vejo e ele avisa-me para eu estar calado mas eu não tenho medo dele e o Ricardo diz para eu contar sempre tudo à tia. E eu conto e levo. Conto e levo. Não sei porque ela me bate se é verdade o que eu lhe conto. Ela diz que eu sou um menino perverso mas eu não sei o que é isso. Quando conto à mãe que a tia me bate ela diz que é para eu aprender a não ser reguila. Será que perverso é o mesmo que reguila? Se calhar bate-me porque eu sou reguila. Mas o que a mãe não sabe é as coisas porcas que o tio faz à prima, porque ela nunca me deixa explicar porquê que a tia se chateia comigo. O Ricardo diz para no domingo eu chegar ao pé dela e em vez de contar que a tia me bateu, contar logo que o tio faz à prima. Se calhar vai bater-me também. Não, porque a mãe nunca me bateu, só grita comigo às vezes. Ontem gritou comigo no carro quando lhe falei do Ricardo querer vir à minha festa de anos. Disse que eu a assusto com estas conversas. Não percebi porquê, mas calei-me e não falei mais durante a viagem. Depois perguntou-me se tinha ficado chateado, eu nem lhe respondi. Deu-me um beijo e disse que o Ricardo podia vir à festa. Eu não disse nada. O Ricardo disse para eu não falar mais com ela para ela aprender, mas há noite tive de falar com ela para lhe perguntar quando é que era quinta-feira. Ela disse que era hoje e voltou a perguntar se ainda estava chateado com ela. Disse-lhe que já não e senti-me muito aliviado por já falar com a minha mãe. Às vezes, o Ricardo exagera um bocado.
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