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Narrador 8º – Guilherme
Tocam à campainha. Deve ser o doutor, vem trazer o puto. Bingo! Convido-o a entrar e este aceita.
- Quer tomar alguma coisa?
- Aceito um Whisky, se tiveres e não te importares.
Apresso-me a ir buscar o Whisky, tenho fama de ser rápido a servir lá no café-livraria do doutor. Não quero que ele pense que perdi qualidades.
- Continuas uma máquina a servir, até mesmo em casa te aplicas como se estivesses a trabalhar. Não te cansas de ser o melhor naquilo que fazes, pois não?
- Dou sempre o meu melhor, doutor!
- A Teresa não está em casa?
- Tio, posso ir brincar com o Ricardo para o quarto da prima? – O Toninho interrompe a conversa.
- Sim, claro que podes – respondo. Mas quem raio é o Ricardo? Apetece-me perguntar-lhe, mas deixo para mais tarde, talvez tenha ouvido mal. O doutor volta a insistir:
- Estava a perguntar-te se a Teresa não está em casa. Não me chegaste a responder.
- Não sei por onde anda, deve estar a chegar, provavelmente foi às compras, sabia que eu estava em casa para vos receber – respondo, fingindo que a pergunta não me incomoda, que não desconfio que eles têm um caso nas minhas costas. Suporto essa relação há mais de quatro anos, não sei se já dura há mais do que isso, preciso do emprego conseguido a custo por intermédio da minha irmã, guardo silêncio de todos os segredos do doutor, habituo-me a cada dia que passa que ele comanda a minha vida desde que saí da cadeia, dói-me pouco o facto de ele andar com a minha mulher que nunca conheci bem, faz muitos anos, mais de doze, na altura fui preso e deixei-a grávida da Alice, procurou-me ao fim de um ano de ter saído, haviam passado seis anos e meio, já eu tinha emprego, pediu-me que assumisse a filha, que ajudasse a criá-la, que tivesse caridade da criança que ajudara a conceber, que a perdoasse como ela me perdoara a mim e com ela constituísse uma família. Aceitei, casamo-nos ao fim de um mês e meio, pelo civil, não passara ainda um ano e meio desde que casáramos e já ela andava debaixo do doutor. Na altura pensei em matá-lo, depois pensei em todas as consequências, desisti, pensei em confrontá-los, pensei nas consequências, desisti, pensei em conformar-me, pensei as consequências, foi o que fiz.
- Bem, queria só dizer-lhe olá e dizer que tem dinheiro na mala do miúdo, se precisar de alguma coisa, mas tu dás-lhe o recado, ok?
- Claro que sim, vá descansado. Até amanhã, doutor…
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