Thursday, October 26, 2006

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Narrador 1º – Paulo Roberto:

O bar está ao rubro, são quase uma da manhã e os homens esperam ansiosamente o momento alto da noite, aquele que há uma em ponto começa a despir o corpo maliciosamente delineado da Clarisse. Lembro-me bem que foi aqui que a conheci, uma noite à espera da uma da manhã, uma e um quarto meto-lhe cinco contos no soutien, entre os seios perfeitos, quais dois marmelos tentadores que há uma e vinte haviam de se mostrar, uma e vinte e cinco vejo-a pendurar-me as cuecas no pescoço, a respiração forte no meu ouvido a convidar-me a vê-la mais tarde, “saio às duas, vai ter comigo lá fora”, e eu fui, quase corro porta fora quando falta um minuto para as duas, encontro-a a sair pela porta dos bastidores, ela fita-me e pergunta-me para onde vamos, sugiro o quarto de um hotel, levo-a, vou vê-la durante semanas seguidas, salvaguardo todas as sextas-feiras que sou eu que vou dormir com ela àquele quarto de hotel, se falhar, outro tomará o meu lugar, sempre o mesmo quarto de hotel, sempre a mesma nota de cinco contos no soutien e mais dez sobre a mesinha de cabeceira, quinze contos por sexta-feira, sexo louco e sem tabus durante semanas seguidas e um dia quando a estou a despir, “estou grávida!!!”

- Tens a certeza?

- Fui fazer o teste à farmácia.

- Não são muito viáveis.

- Na semana que vem vou ser sujeita a testes de sangue, o senhor Alberto obriga-nos a fazer análises de três em três meses, não quer lá drogados nem gente dessa a trabalhar no bar.

- O que fazemos?

- O que sugeres?

- Aborto, se calhar!

- Tenho medo, uma prima minha morreu por causa de um aborto.

- E há-de continuar a acontecer enquanto estes malditos não legalizarem o aborto.

- Não quero abortar.

- E como vais sustentar uma criança? E o teu emprego?

- Paro durante um ano, volto mais tarde se tiver em condições, tu ajudas-me com dinheiro para o teu filho, qualquer coisa me serve a mim, só não quero que falte nada à criança.

- Tens a certeza que é meu?

- Sabia que ias fazer essa pergunta. Nem me vou ofender, embora devesse! Tenho a certeza que é teu, sim! Para ti a minha palavra basta?

- Sim, basta! Desculpa! Estou só um bocado confuso. Fui apanhado de surpresa. Tenho uma família no outro lado, isto não vai facilitar nada as coisas para mim. Compreende que estou um bocado assustado, não me leves a mal.

- Não levo. A tua mulher não precisa de saber. Podemos manter isto em segredo. Gosto de Raquel, ou de António, se for rapaz, é o nome do meu falecido pai, o pequeno Toninho, é um nome bonito, não achas?

E eu já acho tudo o que ela quiser, já não estou nem aí, como dizem os brasileiros! Ela que escolha os nomes que quiser, eu concordo com tudo. Nove meses e é mesmo um António, um Toninho, uma brincadeira de sextas-feiras com uma menina que se despe à uma da manhã e às duas e meia se deita comigo no quarto de um hotel qualquer da cidade, semanas seguidas a chegar a casa às seis da manhã, e a mulher, as primeiras vezes, “outra vez, tão tarde?”

- A malta entretém-se a conversar depois do jantar, ficamos sempre até às tantas, conversas interessantes, intelectuais, nem se dá conta do tempo passar, são assim as tertúlias da malta que escreve, amor!

E depois habitua-se, já não pergunta nada, sabe que às sextas são os jantares da tertúlia intelectual da malta da escrita, quando o Toninho nasce passam a ser à quinta, uma ou outra vez, variadamente, são na mesma à sexta, depende do jeito, e um dia a Tânia:

- Essa da tertúlia já não pega, Paulo.

E eu não respondo, deixo-me ficar, calo-me, ela não toca mais no assunto, parece esquecer, ou parece não se importar, melhor ainda.

- Faz muito tempo que não me vinhas ver, Paulo. – Remata a Clarisse quando às duas da manhã vou ter com ela à porta do bar.

- Resolvi matar saudades dos bons velhos tempos. Continuas a encher a casa e a fazer a malta ansiar pela uma da manhã. Isto, depois de ter um filho e com trinta e muitos em cima dessas pernas, é obra!

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