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Narrador 3º – Tânia:
O Paulo vem para jantar. A princípio estranho, às quintas feira nunca janta em casa. Não sei por que é sempre à quinta-feira, nem tão-pouco lhe pergunto, ele diz sempre que tem uns assuntos pendentes a tratar, sempre à quinta-feira, também os tem variavelmente entre outros dias da semana, mas à quinta-feira é matemático. Hoje vem jantar a casa, por estranho que pareça, sendo quinta-feira. Nem contava com ele, apesar de ele também não ter dito que não vinha, costuma dizer sempre quando não vem, mas é o hábito, não costuma vir. Para mim e para o Telmo faço sempre qualquer coisa, umas sandes, ou umas carnes frias e ovos estrelados, para ele torna-se mais complicado, é mais esquisito, tem gostos mais requintados, paladar de menino rico, filho único nascido em família endinheirada, diz ele, que nunca lhe conheci a família, os pais morreram aos dezasseis, aos seus dezasseis, herdou tudo, veio para a capital, estudou letras, prometeu ser escritor contra a previsão dos professores que apesar de lhe reconhecerem bom português apregoaram-no de carente na construção de narrativa, surpreendeu com uma primeira obra ainda antes de concluir o curso, espantou professores e colegas, nos quais me enquadrava, apaixonei-me pelo livro, depois pelo homem, acabámos o curso, casámos, uma segunda obra, comecei a dar aulas, o Paulo dedicou-se a tempo inteiro à escrita, recusou colaborar com revistas, recusou entrevistas, recusou aparecer, uma terceira obra, dois anos sem escrever nada, um primeiro filho, o Telmo, já lá vão doze anos, e de repente, uma obra por ano durante cinco anos seguidos, passaram a dois romances anuais durante mais quatro anos e os últimos três anos a uma velocidade alucinante de três obras por ano, quase todos Bestsellers, prémios acumulados entregues ao representante legal, o Rodrigo, que é também o seu editor, que o Paulo teima em não aparecer em público, para mais tarde, promete, quando, ninguém sabe, já falta pouco, diz ele, pede paciência. O Rodrigo cuida-lhe de tudo, protege-lhe a imagem, vende-lhe os livros, promete por ele, fala por ele, recebe os prémios por ele, faz tudo por ele. Na rua não reconhecem o Paulo, sabem que é escritor, comenta-se aí, ninguém sabe os livros que escreveu, ninguém se interessa, julgam que qualquer coisa, contos banais daqueles que nunca chegam às livrarias, que se vendem aos amigos e aos conhecidos, um ou outro pergunta, o Paulo inventa um título, dizem-lhe que não conhecem, ou que não encontraram, ou que vão procurar, mas nunca ninguém lê, ninguém conhece, ninguém sabe que o Paulo se esconde atrás do famoso pseudónimo que soa a francês, ninguém há-de saber até ele querer.
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