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Narrador 6º – Alex:
Lar, doce lar, finalmente, já a madrugada clama pelo sol, depois de uma quinta-feira dura, interrogatórios, exames, rituais maçónicos e sexo louco, tudo misturado num dia só parece ser demais.
Prestar declarações pela manhã, depois de dormir pouco com a imagem do jovem morto no passeio a percorrer-me a mente durante toda a noite, o medo de levarem demasiado a sério esta coisa de ser suspeito da morte do tipo a invadir-me o abismo do meu ser, a fervência do sangue a borbulhar-me nos pulsos com uma intensidade incomoda, a afligir-me, a aborrecer-me, a desconcentrar-me do resto das coisas da vida.
À tarde, o exame de filosofia, o exame da minha vida, aquele que me pode encaminhar ao sucesso na pós-graduação, a Mestre em História da Qualidade de Vida e Boémia Contemporânea, a uma carreira, ao sucesso ao fim de vinte e dois anos de livros, cadernos e apontamentos, de noites perdidas a estudar, a decorar a reaprender. Não correu mal o exame, mas também não correu bem, não sei como correu, pode estar tudo certo e pode estar quase tudo errado, se é que se pode errar em filosofia, ou não se estará sempre a errar em filosofia? Não será a filosofia, isso mesmo? Ter a liberdade de errar sobre todas as coisas?! Talvez seja, talvez seja... Agora é esperar pelo veredicto do docente que me avaliará a prova, pela nota final na pauta, pelo número mágico que ditará se tenho ou não – ainda ou para já – condições de ser Mestre, de ser um Filosofo que pode divagar e filosofar à vontade e com a liberdade de não ter de justificar mais os seus pontos de vista perante os professores e os seus iguais, errando sobre a vida e sobre as coisas da vida, perguntando sobre a vida e as coisas da vida, procurando respostas por esse Universo fora, encontrando sempre mais perguntas e mais dúvidas, porque é nas perguntas e nas dúvidas que existe a Filosofia, nunca, jamais, nas respostas.
À noite, o meu baptismo, candidato à Academia, aceite pelo Sapientíssimo, pelos poderes a si concedidos e pelo consenso de toda a academia, que me constituiu verdadeiro Maçon e me permite desde então gozar de todos os privilégios acordados neste augusto grau, ao fim de algum tempo de preparação por um dos académicos Maçons, tornando-me desde hoje um deles, cumpridas as três viagens, em círculo, em esquadro e em triângulo, tendo escutado a aceitação das baquetas de todos os académicos sobre o pavimento, tendo-me sido retirada a venda dos olhos e após isso ter ponderado sobre a terrina onde foi colocado o espírito do vinho, do mercúrio e do sal, que se acendeu e clareou a Academia, prometendo, com palavra de honra e sob pena de ter os lábios trancados e o ventre aberto, de nunca revelar directa ou indirectamente, a quem quer que seja, os mistérios a mim revelados, que o grande Jehova me tenha na sua santa e potente custódia. Foi-me, portanto, dado o sinal, a palavra e o toque, a idade e o nome, condecoraram-me com jóias, com o avental, com as luvas e com a baqueta e me ordenaram a fazer-me reconhecer por todos os académicos presentes no ritual. Isto feito, se estendeu o Quadro sobre o pavimento e se colocaram os três candelabros em triângulo, e tendo tomado o lugar à direita do Sapientíssimo após ter dado os três passos, pronunciei o meu discurso ao qual o Sapientíssimo me respondeu confiando-me o grau de verdadeiro Maçon, explicando-me que a ciência em que agora me inicio é a mais antiga das ciências, Deus a criou ordenando o caos e sendo esta a mais Universal, todas as outras recebem desta os seus princípios, sendo esta a mais necessária, sem esta o homem não é nada mais do que trevas, doenças e misérias, esta é emanada da natureza, ou melhor, esta é a mesma natureza aperfeiçoada mediante a arte, esta é fundamentada sobre a experiência, esta teve os seus adeptos em todos os séculos, e também nos nossos dias uma multidão de artistas sacrificam em vão os seus bens, os seus trabalhos e o seu tempo, isto porque, longe de imitar a nobre simplicidade que o caracteriza e de seguir as vias rectas que esta lhes traça, estes oneram com um fardo que esta não pode suportar e se perdem no labirinto para onde uma louca imaginação os arrasta; as brincadeiras picantes as quais os profanos que, sem respeito a Deus, sem atenção pela natureza, sem estima pela arte, dirigem aos nossos mais sérios mistérios, as sátiras grosseiras destes ignorantes muito pesados pelos próprios sentidos para se elevarem à sublimidade dos nossos conhecimentos, blasfemam sobre tudo aquilo que não podem compreender, disto o apressado ridículo destes indolentes os quais, a menos que um espírito hábil e uma mente laboriosa não faça por estes a despesa da descoberta e do trabalho, desprezam tudo aquilo que não têm força de imaginar nem a coragem de executar, disto enfim os panfletários injuriosos destes temerários, que com uma ousadia plena de má fé, ousam colocar a verdade de sua ciência hermética ao nível das invenções humanas, das superstições populares, sem outro motivo que não seja o desejo de invalidar a autenticidade e a impossibilidade de destruir o caminho. Abandonei, então, desde hoje, os filhos das trevas e estes inimigos de si próprios e toda a vergonha de suas vãs e inconsequentes ideias, voltando-me aos verdadeiros filhos da luz e sinceros amigos da humanidade que vêem nos seus ensinamentos e nas suas práticas a verdade claramente enunciada, saboreando doravante e duradouramente goles de doçura que esta nos apresenta, gozando com reconhecimento das vantagens que esta nos dirige e animado por um único e santo entusiasmo não cessemos de exaltar a omnipotência e a misericórdia infinita de Deus, que se compraz em humilhar os grandes e elevar os humildes. Desde hoje e doravante sou filho de Hermes, o meu objectivo é tratar a pedra triangular, sei o toque que pretende significar a amizade e a sabedoria que devem reinar entre os académicos, a minha palavra passe é o nome da inteligência que preside os metais, a minha palavra sagrada é o nome inefável de Deus, os meus irmãos são os amadores, os meus mestres são os adeptos, o meu nome é amador, a minha idade faz já muito tempo que não conto mais, e sei que a minha academia se apoia sobre três colunas que se chamam Fé, Esperança e Caridade, sendo que a Fé deve preceder a acção, a Esperança acompanhá-la e a Caridade segui-la.
Já a meia-noite dava sinal de si quando finalmente fui iniciado num ritual sexual como nunca imaginara, possuindo duas mulheres diferentes numa mesma noite, numa mistura de corpos e almas que usufruíram dos prazeres o Universo.
Amanhã, espero uma sexta-feira pacata, longe de interrogatórios, exames decisivos, e baptismos em sociedades secretas, durmo até ao meio-dia, almoço na baixa, dou uma volta pelas livrarias – onde leio algumas passagens de livros interessantes –, visito lojas de discos – onde ouço algumas faixas de músicas interessantes –, e corro perfumarias – onde ouso experimentar os perfumes de marcas mais conceituadas e escolho deles o mais interessante. À noite, janto em casa dos meus pais, arranjo o computador da minha irmã, mato saudades do Bush, e no final da noite, se calhar, durmo por lá.
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