Thursday, October 26, 2006

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Narrador 3º – Tânia:

Dou mais uma volta na cama e finalmente ouço o ressoar da chave na fechadura da porta principal. O Paulo chegou, finalmente. Olho a custo os ponteiros do relógio de pulso sobre a mesinha de cabeceira. Uma e vinte e três de uma madrugada fria. Mais fria que a anterior, parece-me. Talvez não. O frio é como o tempo, relativo. E psicológico. O Paulo abre finalmente a porta do quarto e eu, como habitualmente, finjo dormir, voltando-me na cama lentamente como quem é perturbado no seu sono mas não chega a acordar. Apetece-me perguntar-lhe por onde andou até estas horas, mas dará a desculpa do costume, por aí a passear a beira-rio e a arranjar inspiração para o próximo livro. Deixo-o acabar de se despir e sinto-o a debruçar-se sobre a cama, devagar, e finalmente a cair sobre esta de uma assentada só. Encosta-se a mim, o que não é muito comum nos dias que correm. Habitual é chegar-me a estas horas a casa, diz que a noite lhe faz bem, lhe inspira, lhe traz outro alento que o dia não. Encostar-se a mim, é coisa que não fez ainda este ano. Está certo que ainda agora o mês primeiro decorre e nem duas semanas passaram de um outro ter findado, mas noutros tempos o Paulo era mesmo Pau-lo para toda a minha obra. Talvez a minha obra se tenha degradado com os anos e o interesse se fora com o assomar das rugas, com o deslindar das marcas próprias da velhice que aí vem, avisando a cada dia que passa. Talvez o Paulo, que ainda é homem interessante, encontre nessas noites que trazem outros alentos que o dia não, a inspiração de que tanto precisa, nas obras de outras formas mais tentadoras. Ou talvez encontrasse e agora não encontre mais e agora vem e encosta-se em mim. Paulo vai-se encostando a ver se eu acordo. Eu finjo acordar e encosto-me um pouco mais a ele, inclino um pouco a cintura e faço as minhas nádegas irem de encontro ao seu homo-erectus, como este gostava de lhe chamar noutros tempos. O Paulo não espera para ter a certeza de que eu estou acordada e penetra-me com violência, jubilando com o meu primeiro gemido, forte, sonoro, dorido. Daí em diante o Paulo põe o seu ritmo, eu ajeito-me ao ritmo dele e gemo, agora mais pelo hábito de outros tempos do que por prazer. O Paulo aumenta um pouco o ritmo e quando finalmente começo a deleitar-me um pouco com a situação, este já está a parar. Apetece-me gritar, não pares, mas de nada valerá a pena, sei-o eu bem que ele já acabou. Sinto-o a desencostar-se vagarosamente, como se não me quisesse incomodar muito, vira-se para o lado, arrepende-se, volta-se de novo para mim, dá-me um beijo nas costas abaixo do pescoço e torna a voltar-se para o outro lado. Uma espécie de agradecimento, aquele beijo. Levanto-me, devagar. No corredor, lá fora, ouço passar o Telmo, que deve ter ido à casa de banho. Espero que ele chegue ao quarto e finalmente avanço para a casa de banho, para me lavar. O Paulo, já se lhe adivinha o ressonar.

1 Comments:

Blogger T said...

... isto é ligeiramente assustador... e engraçado ao mesmo tempo. Sem saber poderia estar a escrever uma parte da história da minha vida.
O meu nome é Tânia, e tive um Paulo e um Telmo na minha vida, de maneiras diferentes... parece que na realidade três das suas personagens têm vida.

3:56 AM  

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