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Narrador 2º – Gil
Estou mais ou menos a meio metro dele, quase ocupamos o mesmo metro quadrado de privacidade. Ele, bem mais velho, talvez na casa dos cinquenta, cabelos pintados de branco, algumas raízes pretas, quase não se notam, testa larga, nariz pontiagudo e queixo vistoso, rachado, imponente. Ares de dinheiro, quase cheira ao mesmo, perfume caro no pescoço e nos punhos, fio e pulseiras de ouro, botas de coro e postura segura, porém não demasiado máscula. Transpira charme, experiência, adivinha-se ter vivido com igual exultação e fervência os anos sessenta e os anos oitenta. Ambicioso, nota-se! Está interessado, ou então não estaria aqui comigo, falta só mesmo saber se é activo ou passivo. Algo o distrai e o afasta na mesma medida. Um homem entra pela porta do bar e sacode o seu casaco preto de cabedal com gestos brutos e o cinquentenário charmoso à minha frente parece temer ser visto tão perto de outro homem, ainda para mais com menos de metade da sua idade. Depois de se ter afastado ligeiramente, abandona finalmente a conversa sobre o seu trabalho de ensaísta e pergunta-me até onde pretendo chegar com o curso de Turismo que estou a frequentar. Respondo-lhe que prefiro falar de outra coisa adiantando apenas que me alicia a perspectiva de conhecer destinos diferentes, culturas diferentes, pessoas diferentes.
- Sou adepto da diferença – adianto ainda, ao que este responde num tom desdenhoso e usando uma linguagem que não lhe conhecera até então:
- Também eu! Aliás, se eu fosse paneleiro, tinha de ser passivo. Para espetar na peida, espeto no das gajas.
Pronto! Bela forma de se denunciar. Passivo, sem dúvida. Cabe-me a mim engendrar a continuidade do bate-papo, não deixando morrer a conversa depois de aceso o rastilho. Porém, faltam-me as palavras perante o olhar de repulsa feito pelo tipo que há pouco entrara no bar. Parece-me um olhar frustrado de homossexual não assumido. Um falso nojo, talvez um nojo de si mesmo ao descobrir em si um de nós e revoltar-se contra isso. Ele desvia o olhar e eu volto a tentar concentrar-me na minha conversa com o velho charmoso e passivo mal assumido à minha frente. Perante o meu silêncio, este resolve ser ele a continuar a conversa e pergunta-me se me assustou o seu modo de falar menos educado de há pouco. Respondo-lhe que de forma alguma, que no meu meio estou habituado a esse tipo de linguagem. Qual o meu meio? Claro, adivinhava-se a pergunta, e resposta na ponta da língua:
- Sou homossexual! Esse tipo de linguagem é usual nos meios mais íntimos – digo, com um ar de quem está a desvendar um pequeno segredo, sabendo – e ambos o sabemos – que não há segredos a ser desvendados para um homem de cinquenta e poucos anos com aquela vivência.
Finalmente, convida-me a levantar e a sair dali, diz ele para tomarmos um copo num local mais privado, longe de olhares de terceiros. Aceito o convite e dirigindo-me para a porta, fito pela última vez o tipo alto que nos olhara com desdenho há pouco. Algo me faz acreditar que o conheço de algum lado. Do meio, quase arriscaria se mo pedissem. Talvez não, talvez me engane…
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